Colocar o Brasil no mapa mundial da educação aberta. Um dos sonhos do pesquisador Tel Amiel, do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Universidade de Campinas (Unicamp), começou a se tornar realidade por meio de um trabalho incessante, feito em conjunto com pesquisadores de diferentes universidades brasileiras.
São historiadores, comunicadores, pedagogos, matemáticos e outros profissionais com uma paixão em comum: fomentar iniciativas sustentáveis que ajudem a romper as barreiras ao direito à educação. Em ações e pesquisas, eles conseguiram transformar um grupo de trabalho do Nied em uma Cátedra Unesco em Educação Aberta, a única na América do Sul. Coordenada por Amiel, a Cátedra tem hoje seis pesquisadores associados, vinculados às universidades de São Paulo (USP), Federal Fluminense (UFF), Estadual de Londrina (UEL), Estadual de Campinas (Unicamp) e ao Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).
O Programa de Cátedras da Unesco (sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) visa a troca de conhecimentos e o trabalho colaborativo internacional entre universidades e organizações ligadas ao ensino superior. Quando passou a fazer parte do programa, em novembro de 2014, a Unicamp entrou para o seleto grupo de Cátedras situadas no Canadá, na Eslovênia, na Holanda, no México, na Nova Zelândia e na Tunísia. “Significa muito para o Brasil participar dessas discussões. Ganhamos representatividade, temos maior chance de financiamento e de atrair pesquisadores”, explica Amiel.
Um dos objetivos da Cátedra é pesquisar como realizar uma abertura de recursos educacionais bem-feita, com bons repositórios, bem documentados e de fácil acesso, no seu próprio contexto e idioma, assim como sensibilizar pessoas para que criem e modifiquem esses recursos, e não apenas baixem os existentes. Uma das primeiras atividades de sensibilização realizadas pelo pesquisador da Unicamp foi o Caderno REA, disponível no site da Cátedra, direcionado a professores da educação básica. O material traz conceitos de REA, direito autoral e licenças de uso, e também orienta de forma prática sobre o uso de ferramentas de criação, modificação e compartilhamento.
Pesquisadores ligados à Cátedra da Unicamp estudam detalhadamente a Universidade Aberta do Brasil (UAB), sistema que integra universidades públicas para oferecer, por meio de ensino a distância (EAD), formação para camadas da população que têm dificuldades de acesso ao ensino superior. Ao compreender sua estrutura e promover um olhar abrangente para a produtividade do sistema, pode-se estabelecer caminhos para práticas educacionais abertas e produção de REA. “Começamos entrevistando os coordenadores de 70 polos presenciais das regiões Sul, Norte e Nordeste”, conta a historiadora Maria Renata da Cruz Duran, da UEL.
Um dos objetivos da Cátedra é pesquisar como realizar uma abertura de recursos educacionais com bons repositórios, bem documentados e de fácil acesso
A pesquisa resultou em um perfil completo desses profissionais, das formas de gestão e da infraestrutura dos polos, com diferenças consistentes nesses três aspectos, conforme a localização do polo em relação às capitais. Em seguida, foi a vez de dez núcleos de EAD das universidades associadas à UAB. “Determinamos os modelos instrucional e de gestão de cada um, além do processo de produção do material didático. Mais uma vez, encontramos diferentes perfis de profissionais, além de recursos educacionais diversos”, informa Maria Renata.
Quais os próximos passos? “Temos o perfil dos polos e das universidades. Pretendemos, agora, cruzar esses dados e verificar se o modelo instrucional de determinada universidade funciona em determinado polo”, explica a pesquisadora. Há, no entanto, um senão relevante: “Só vamos fazer se conseguirmos financiamento”. Recurso financeiro, sem dúvida, é o grande desafio. Neste momento, há uma única pesquisa financiada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Algumas pesquisas dependem do trabalho voluntário. Além disso, há necessidade não somente de pesquisas, mas de um esforço de formação por meio de cursos, oficinas, congressos, produção de conteúdos. “Não temos muitas linhas de fomento no Brasil para essas atividades. Corremos atrás o tempo todo”, desabafa Amiel.
Um exemplo de senso de oportunidade e dedicação dos pesquisadores é o Mapa de Iniciativas de Recursos Abertos (Mira), feito em parceria com o Instituto Educa Digital, a Open Knowledge Brasil e a universidade equatoriana Escola Superior Politécnica do Litoral. Em 2014, a Fundação William e Flora Hewlett financiou três protótipos de um mapa global sobre REA, na Alemanha, no Brasil e nos Estados Unidos. A Cátedra brasileira mapeou as iniciativas da América Latina, com enfoque no ensino básico. “Era um trabalho de dois meses. Mas continuamos, mesmo sem recurso financeiro, porque tínhamos interesse em levantar mais dados”, revela Amiel.

Uma das primeiras atividades de sensibilização realizadas foi o Caderno REA, disponível no site da Cátedra, direcionado a professores da educação básica
Tiago Soares, doutorando da USP, participou do processo: “Levantamos e sistematizamos tipos de mídias, de licenças, armazenamento, documentação. Vislumbramos um universo cultural e pedagógico rico e distinto”. Essa discussão vai ter continuidade com a pesquisa financiada pela Capes, também integrada por Soares. “Vamos aplicar um questionário junto às instituições envolvidas com a UAB para entender o uso dos REA, das licenças, das tecnologias abertas”, diz ele. O centro de pesquisas alemão HBZ ganhou a competição da Fundação Hewlett para fazer o mapa global. Porém, o Brasil ganhou informações preciosas para a definição de políticas públicas.
Outras ações estão em curso: um mapeamento da produção acadêmica em português sobre REA; a segunda edição de um curso a distância a respeito do tema; um pós-doutorado que aborda o papel e o potencial de práticas abertas nos polos da UAB. O futuro? O professor Tel Amiel vislumbra: “Seria muito legal se a Cátedra se tornasse um observatório sobre o assunto”. Que mais esse sonho vire realidade.