portal-arede-educa-O-professor-no-poder-para-criar-multimidia-Carlos-SallesFalta pouco para os professores terem em mãos uma ferramenta brasileira, de uso livre, para criar objetos de aprendizagem multimídia de forma fácil e autônoma. O software Cacuriá, que leva o nome de uma dança folclórica do Maranhão, é uma plataforma para criação e edição de vídeos educacionais. O programa já está sendo utilizado por onze instituições, que testam as funções e ajudam a apurar os últimos ajustes. A previsão é de que, em outubro, o Cacuriá estará disponível para todos os educadores.

Os resultados obtidos, até o momento, são o estímulo à capacidade criativa dos professores e a possibilidade de customizar e regionalizar o conteúdo apresentado aos alunos – o que consiste em uma boa receita para o envolvimento e o engajamento tanto de quem ensina quanto de quem aprende. Quem nos conta tudo isso com a animação de quem vê um filho nascer é o professor doutor Carlos Salles, professor adjunto da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e coordenador do projeto Cacuriá.

Como surgiu o projeto Cacuriá?
Carlos Salles – Há três anos, a gente, do Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital (Lavid), acompanhou o edital dos grupos de trabalho da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Vimos a possibilidade de usar nosso conhecimento em autoria multimídia, com ferramentas de software para criar conteúdo multimídia, a serviço da educação. Para que os professores pudessem ser autores de seus próprios conteúdos, usando uma ferramenta simples. Então, com o apoio da RNP, começamos  a desenvolver o Cacuriá. Estamos no terceiro ano do projeto. Nesse processo, já formamos três alunos de mestrado, diversos de graduação bolsistas.

Qual é o conceito da ferramenta?
Salles – A ideia é permitir que o professor grave vídeos e enriqueça com conteúdo multimídia adicional, como texto, áudio e até testes de conhecimento. A inspiração prática é a forma como têm sido criados os conteúdos para a web, de forma geral. Cerca de 60% da web é feita por não programadores… jornalistas, pessoas que criam no Facebook e postam conteúdo multimídia. Entendemos que é muito importante ter uma equipe multidisciplinar para pensar conteúdo para educação, mas também é necessário que o professor tenha capacidade de criar conteúdo sem essa equipe porque isso amplia as possibilidades.

Como funciona o software?
Salles – Você baixa o programa, cria o conteúdo e depois manda para a nuvem, porque o Cacuriá está integrado com o serviço de videoaulas da RNP. Uma vez publicado, o conteúdo está disponível em qualquer lugar. Apesar de ter a opção de distribuição da nuvem, é importante salientar que o professor consegue criar um produto multimídia no próprio computador e distribuir em pen drives e CDs. Ou seja, o software foi criado para a web, mas funciona também off-line: você pode acessar no seu navegador, mesmo sem ter acesso à internet.

Você considera importante essa possibilidade de uso off-line?
Salles – No interior do estado do Maranhão, o acesso à banda larga é difícil. Mas como a ferramenta pode ser instalada no próprio computador, o professor não fica tão dependente da internet. Só para distribuir amplamente é que fica mais complicado.

Considerando que há um desafio grande em termos de formação de uso de informática e tecnologia dos professores, como é a usabilidade do Cacuriá?
Salles – A ferramenta é bem intuitiva e a interface é parecida com o Power Point. Assim, o aprendizado sobre o uso da ferramenta é muito simples, se o professor já souber usar um computador. A ferramenta foi pensada justamente com esse propósito de ser intuitiva. Nós também usamos a própria ferramenta para ajudar na formação do professor e ensinar a criar no Cacuriá.

Como é isso?
Salles – Temos um objeto de aprendizagem multimídia para ensinar a usar a tecnologia. Um vídeo com recursos de interatividade ensina cada um dos recursos do Cacuriá. É um treinamento que pode ser feito em uma manhã. Ao ter acesso ao objeto de aprendizagem, o professor já começa a ser mais criativo. Já começa a pensar conteúdo menos engessado, com opções de interação com o aluno. A ferramenta já motiva desde o início a criar essas possibilidades.

A criação por meio da Cacuriá permite um conteúdo não linear. Explique essa flexibilidade.
Salles – Criar conteúdo na ferramenta Cacuriá envolve, em primeiro lugar, planejamento. Em uma segunda etapa, o professor vai a campo e prepara os vídeos que vão se juntar à aula. Por exemplo, se for preparar uma aula de biologia sobre mamíferos, em determinado momento você vai falar que o morcego é o único mamífero que voa. Aí, se o aluno clicar no botão, vai ter um vídeo especial sobre morcegos. No momento de captura de vídeo, o professor já pensa o que vai compor com aquilo. Os vídeos primários e os secundários. No planejamento, ele já pode planejar ter um conteúdo não linear, em que há possibilidade de o aluno individualizar a experiência. Se o aluno tem mais curiosidade sobre X vai para um lado, sobre Y, para outro. Ou então o professor pode planejar um conteúdo que tenha checagem de aprendizagem. Exibe vídeo e aí faz avaliação com aluno. Então pode ir para o próximo tópico. Não precisa ser sequencial.

Depois da captura, quais as etapas para o professor percorrer antes de ter um conteúdo multimídia?
Salles – Em um segundo momento, depois de tudo editado e cortado, o professor vai colocar as imagens na aplicação. Aí vai para a terceira etapa, que é abrir a ferramenta e compor a aplicação com tudo isso. O Cacuriá é quase um orquestrador.

Quais etapas de desenvolvimento vocês já concluíram?
Salles – No primeiro ano criamos o protótipo. No segundo ano de projeto fizemos o piloto e agora instalamos em 11 instituições. Segundo o planejamento, em outubro a Cacuriá estará disponível ao público.

Qual a expectativa quanto ao uso da ferramenta pelos professores?
Salles – Recentemente fizemos uma oficina de uso da ferramenta no interior do estado do Maranhão, com professores do ensino fundamental, no município de Urbano Santos, uma cidade vizinha a Belágua, que ficou conhecida por ter o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil. No período da manha ensinamos a usar o software e na parte da tarde os professores foram a campo gravar objetos de aprendizagem com os próprios celulares. Foi uma experiência muito interessante. Eles gravaram vídeos e ensinaram a calcular a área de uma circunferência em uma praça municipal lá da cidade. Além disso, foram falar do processo de assoreamento no rio. A ideia é utilizar a realidade regional, do município. Isso é muito legal, mostrou que rapidamente os professores assimilaram a proposta de criação dos conteúdos.

Qual o papel das instituições que estão utilizando a versão do piloto?
Salles – As 11 instituições parceiras que estão usando a ferramenta já têm um histórico de criação conteúdo. A partir dessas experiências, vamos receber feedback sobre como foi experimentar, planejar e criar conteúdo, as vantagens e as limitações. Na criação da ferramenta, utilizamos uma metodologia especifica, com design centrado no usuário. Desde o início convidamos professores para participarem do processo de desenvolvimento da ferramenta. Fizemos um brainstorm, para os professores enumerarem características desejáveis, realizamos debates com moderadores e depois design em papel. O objetivo foi colocar o professor como elemento central.

A partir desse diálogo com os professores, quais sugestões surgiram?
Salles – Foi assim que identificamos a necessidade de buscar aproximação com o conceito do Power Point, algo muito usual para o professor. A timeline também é algo que surgiu a partir da interação com os professores. Posso resumir o conceito do software como “what you see, is what you get” [o que você vê é o que tem].

Qual sua expectativa de impacto na educação pública com o Cacuriá?
Salles – A partir da nossa experiência em Urbano Santos, posso dizer que há um potencial razoavelmente transformador. Um professor disse uma frase: “A gente acha que não é capaz, mas quando nos colocamos a fazer, percebemos que é possível”. Então, a ferramenta dá ao professor a capacidade de ir além e permite que o aluno interaja. Isso tem um potencial interessante, desloca a criação de conteúdo para mais perto da realidade do aluno, algo difícil de fazer de fora para dentro da escola. O problema do rio da cidade, isso sensibiliza os alunos. O professor pensa a partir da problemática local, com assuntos que interessem à comunidade. E a ferramenta dá poder de ele [o professor] criar conteúdo e brincar, ter um conteúdo bem regionalizado, sem necessariamente substituir uma equipe profissional e multidisciplinar.