Por Marcia Padilha e Adriana Martinelli
É um jargão muito bem aceito entre educadores a ideia de que as tecnologias são apenas ferramentas, como o foram o giz e a lousa. Com isso ficamos todos em nossa zona de conforto, sem ameaças a velhos paradigmas educativos. E segue-se a esse consenso uma infinidade de propostas pedagógicas de subutilização das tecnologias digitais, reduzidas a ferramentas para fazer o que já fazíamos. Daí surgem propostas de baixíssima ou nenhuma inovação, com ganhos não perceptíveis mediante os investimentos e a curva de aprendizagem implicados.
Então, lá vamos nós contra argumentar: não, a tecnologia não é só mais uma ferramenta. As tecnologias digitais são um conjunto de ferramentas de fazer ferramentas. E não só isso. E aqui vem o mais importante: são um conjunto de ferramentas que viabilizam ações, serviços, produtos e processos totalmente inéditos e impossíveis em meios analógicos. E isso muda tudo.
As ferramentas tecnológicas permitem publicar informações em tempo real e de qualquer lugar; produzir colaborativamente em tempos diferentes e locais distantes; compilar, transmitir e registrar dados com alta precisão e velocidade; fazer geo-referenciamento; captar e tratar imagens; comunicar-se instantaneamente de um para muitos e de um para um. Cada uma dessas possibilidades implica novos paradigmas de autoria, pesquisa, colaboração, processos de validação de conhecimentos, processos de avaliação e de autonomia. Processos que atingem o core do “negócio educacional”. Portanto, as tecnologias estão muito além de serem só mais uma ferramenta. São, na verdade, novíssimas ferramentas que não operam ações, operam paradigmas. Trazem em si novos modos de fazer e enormes possibilidades de inovação, ineditismo. Qualquer projeto educativo que se utilize de tecnologia digital fora desses novos paradigmas sofre de distorções que os fazem perder o sentido. Vamos aos casos.
Caso 1. A visão de “só mais uma ferramenta” e a perda de oportunidades
Em uma reunião de coordenadores pedagógicos cuja missão era criar novos modelos para produção de conhecimento por seus alunos, buscando níveis de excelência, escutamos a seguinte frase: “Precisamos de um tempo para aprender a usar o novo sistema de EAD. Algo rápido, será apenas um treinamento da ferramenta.” O ambiente de EAD não é apenas um conjunto de botões e páginas. EAD traz funcionalidades, altera processos, por exemplo, de colaboração e autoria. Isso é o que poderia viabilizar, naquela instituição, trabalhos colaborativos de alta performance, capazes de alcançar muito maior fôlego do que trabalhos individuais, em duplas ou trios realizados de forma analógica. Veja-se, então, que aquele grupo perdeu a oportunidade de inovar e dar um salto de qualidade a partir de um recurso já existente (seu ambiente de EAD e sua equipe) porque não entendeu a tecnologia como um recurso para viabilizar processos de trabalho de seus alunos a partir de novos paradigmas de colaboração e coautoria, capazes de superar velhos desafios e criar as condições para desenhos inovadores para os trabalhos dos alunos.
Caso 2. A visão de novos paradigmas e a inovação
As Olimpíadas de Jogos Educacionais (OJE) foi criada para resolver dois velhos problemas de baixo engajamento e baixa aprendizagem dos jovens em Pernambuco. Trata-se de um gincana com elementos inusitados, como a participação de alunos de uma mesma escola ou de escolas distintas, times formados por docentes e alunos com crianças de séries diferentes, que jogam fora dos horários de aulas, em casa, em uma lan house ou na escola, com a participação de qualquer professor da escola. As equipes competem e colaboram na tarefa de superar desafios e enigmas relacionados a temas do currículo do ensino médio ou anos finais do fundamental dois e há tarefas presenciais e virtuais para as equipes cumprirem. Alguns dos bônus recebidos são a permissão para jogar mais tempo e pontuar melhor. Os jogos da Olimpíada desenvolvem raciocínio lógico, abordagem interdisciplinar de estudos, cidadania e reconhecimento dos espaços educativos da cidade, autonomia de julgamentos, empreendedorismo e outros aspectos.
O salto para a inovação e o papel do gestor.
O salto de cenários conservadores para ambientes criativos e de inovação só ocorre com a ação de pessoas apoiadas e preparadas para inovar. O papel dos gestores é dar as condições para que os docentes, os alunos, as equipes escolares e as famílias criem, implementem e incorporem ações inovadoras em seu dia a dia. Cabe aos gestores criar ambientes de confiança, de criatividade, ofertar os recursos necessários, apoio institucional e legal para a experimentação e a testagem. Depende em grande medida do gestor a criação de um ambiente institucional seguro para que pessoas que queiram inovar tenham respaldo para tomar riscos e colocar em prática ações nunca feitas antes. Se a inovação é mérito coletivo, será mérito do gestor a criação e a sustentação da ambiência necessária para que ela aflore.
Marcia Padilha e Adriana Martinelli são empreendedoras da MEIO, educadoras e articuladoras de inovações na educação.