Especialista em uso das TICs na educação, José Moran foi professor de Novas Tecnologias na USP e coordena um Grupo de Pesquisa sobre Formação Inovadora de Professores no Instituto Singularidades de SP. Também foi responsável por alguns programas de educação semipresencial (blended learning) e a distância.
Referência na educação inovadora no Brasil, ele apresenta, nesta entrevista, as principais características em comum das escolas inovadoras e fala de boas experiências com ferramentas tecnológicas como elementos facilitadores do aprendizado.
A entrevista foi realizada pelo InfoGeekie, dia 5 de abril de 2016.
entrevista
José Moran: como motivar professores para a inovação
Marcela Lorenzoni
Do InfoGeekie
Em visita à Geekie, o professor José Moran falou sobre como motivar professores e incentivá-los a inovar em sala de aula. Confira algumas da propostas debatidas pelo especialista.
O que pode ser feito para incentivar professores a utilizar tecnologia e inovar na sala de aula? Como buscar inovação quando a equipe está desmotivada?
O professor enfatizou a importância da formação continuada dos professores; não somente com cursos superiores, mas palestras, cursos gratuitos e material de apoio. A exposição a esses conteúdos vai abrir os olhos dos professores para novas possibilidades – afinal, inovar fica difícil quando não se conhece outra alternativa. “Projetos de formação vão ajudar o professor a se organizar e indicam por onde começar, como trabalhar a inovação no planejamento, com os alunos, na avaliação”, ele explicou.
Além disso, é preciso que a escola esteja aberta para seguir os caminhos que se adequem melhor a cada professor. “Se ele não se sente confortável com estações de aprendizagem, por exemplo, pode organizar outras coisas. Um debate em que cada grupo defende um ponto de vista, pesquisas de campo… Não precisa repetir um único modelo”. Dessa forma, a gestão não está descartando toda a experiência prévia do professor para substituí-la pela inovação; pelo contrário, a inovação é construída com base na prática real dos professores.
“É importante perceber que as pessoas não nascem necessariamente inovadoras ou conservadoras. Pessoas certinhas durante muitos anos podem sentir-se pressionadas interna ou externamente para mudar e assumem novos posicionamentos. Mas vemos também o contrário: profissionais que são pró-ativos e inovadores durante alguns anos e que depois se desencantam e desistem”, ele escreveu no artigo Professores e gestores previsíveis e os inovadores.
A partir daí, a função da escola é apoiar e dar tempo para que a inovação traga melhoras. Moran conta sobre uma palestra à qual compareceu em que ouviu sobre um professor que tentou inovar; contudo, recebeu más avaliações dos alunos ao final do período. Os convidados queriam saber qual a conduta da escola: “Fiquei surpreso com a resposta. Eles disseram que nunca demitiriam um professor que está tentando inovar e melhorar. Que entendiam que falhar faz parte do processo de aprendizagem; por isso, nos próximos semestres, iriam apoiar o professor para que ele aperfeiçoasse sua abordagem”.
A inovação é possível nas escolas públicas? Como contar com novas tecnologias ou metodologias sem ter recursos financeiros?
“Você pode ter mais recursos ou menos recursos, uma estrutura melhor ou não tão boa, mas é o professor que se adapta à realidade, em vez de ser tolhido por ela, é ele quem faz o ensino híbrido. O ensino híbrido não é um conceito tecnológico, mas humano. Quer dizer: misturar online e off line, mas também individual e grupal, pesquisa e compartilhamento, atividades em sala e fora da escola”, afirmou Moran.
Ele destacou ainda a necessidade de manter abertos os canais de diálogo dentro da escola, para que a inovação não seja pontual, algo marcante de um único professor, e faça parte da prática de todos. Segundo o professor, em qualquer escola a inovação encontra um ponto em comum: “gestores empreendedores, proativos e abertos; e professores, idem. São pessoas cujo trabalho inspira a equipe e que são unidas, buscam e negociam caminhos possíveis, ouvem e compartilham o que sabem para chegar a metodologias comuns”.
Como mostrar que, em vez de inovar, a equipe está, na verdade, apenas migrando todo o material existente para o ambiente virtual?
Esse não é um cenário isolado, diz o especialista: “Eu sinto que o pessoal pensa que, só porque a ferramenta tecnológica é avançada, o processo de ensino é avançado. Pode ser, mas apenas nas mãos de pessoas com uma visão aberta”.
Como exemplo, Moran usou o próprio bate-papo online na Geekie: “Aqui, com essa mesma câmera, nós podemos tanto aproveitar para fazer uma conferência, interagir em tempo real com quem está participando, quanto dar uma aula puramente expositiva e mandar todo mundo ficar quieto”. A tecnologia, por si só, é uma ferramenta – com potenciais do tamanho da criatividade humana, mas ainda assim, uma ferramenta que será tão positiva ou negativa quanto as mentes por trás dela.
Para o professor Moran, a tendência é que escolas e espaços educativos usem cada vez mais a tecnologia para personalizar o ensino; porém, não simplesmente replicando conteúdo. O mundo virtual possui potencial para trabalhar com projetos, conectar pessoas de lugares inacessíveis e oferecer meios diferentes para se aprender um mesmo assunto (fóruns online, vídeos ou games, por exemplo).
Como envolver os alunos, com ou sem tecnologia? Como mantê-los motivados e comprometidos com a aprendizagem?
O essencial é que os alunos vejam sentido no que aprendem. Essa, explicou Moran, é a base do movimento maker (o aprender com a mão na massa): que os alunos façam, reflitam e entendam por que estão estudando aquilo e como o aprendizado se encaixa em seu projeto de vida.
Aliás, o projeto de vida como forma de motivar alunos já foi tema de artigo do professor. “Os projetos estimulam a busca de uma vida com significado e útil pessoal e socialmente, e, como consequência, ampliam a motivação profunda para aprender e evoluir em todas as dimensões”, escreveu ele no texto Aprendendo a desenvolver e orientar projetos de vida. “Todos os professores e todas as atividades de ensino-aprendizagem podem contribuir para que cada aluno se conheça melhor, se oriente de forma mais consciente”.
Isso não significa jogar o projeto nas mãos do aluno sem interferência do professor. Todo projeto deve estar alinhado às propostas, objetivos e valores da escola. O que se espera que os alunos aprendam durante o processo? – essa pergunta precisa ter uma resposta clara e pode abranger desde as habilidades sócio-emocionais até cognitivas. Entretanto, o passo a passo menos detalhado pode oferecer espaço para questionamento, pesquisa e crescimento que nem o professor previu.
“Em um projeto ideal, hoje, eu não definiria previamente o currículo”, ri Moran, “Sei que parece utópico, mas eu avaliaria onde o aluno está e o ajudaria a entender o que ele quer. Depois, o professor pode trabalhar orientando os caminhos que o aproximarão desse objetivo”.