No inicio deste mês, foi lançada em Belo Horizonte (MG), e de lá para todo o mundo, a revista Facta #3, com o sugestivo título de Poética Hacker. Tive a honra de ser convidado pela turma liderada por Fred Paulino para escrever um artigo que denominei de Hackear Educação. A partir desse convite, passei a futucar com mais atenção esse movimento mineiro e comecei a ficar impressionado com a capacidade de invencionice da turma. Recentemente, tinha conhecido outro grupo, desta feita responsável pela revista Piseagrama, através de uma das sempre mais que interessantes sugestões de Hermano Viana, em da sua coluna semanal n’O Globo, ou no programa Navegador, da Globo News. Este grupo que faz a Piseagrama – revista e site, muitos bacanas! – mereceria uma escrita específica. Não o farei aqui, pois quero me dedicar mais à turma do coletivo Gambiologia, responsáveis, entre outras coisas, pela revista Facta.
Confesso que não tinha a menor ideia do que a expressão significava. Quando, lendo o site, percebo que gambiologia está ligado a algo que eu simplesmente adoro e que considero forte candidato a ser considerado elemento-chave para a humanidade enfrentar essa síndrome do consumo descartável: as gambiarras. Esse grupo tem promovido algumas exposições a partir da montagem de traquitanas usando tudo, restos de brinquedos, lixos eletrônicos e não-eletrônicos, peças de eletrodomésticos e mucho mas! Além da revista, esse coletivo organiza exposições (Gambiólogos 1.0, Gambiológos 2.0, Gambiólogos n…), e o próprio Fred Paulino explica que essas exposições, que vêm desde 2010, usam um universo cultural que “o publico está acostumado, principalmente aqui no Brasil”, criando assim uma forte empatia com o público – continue ouvindo aqui.
A importância de tudo isso para a educação é enorme. Pode ser, a bem da verdade, a verdadeira chave de saída para a crise do sistema educacional brasileiro. Falo do Brasil, para não gastarmos tempo com os outros países, mas basta olhar os jornais e revistas de todo o mundo e praticamente toda a semana tem uma matéria sobre a crise da educação em qualquer lugar do planeta. Essas propostas de produção de gambiarras, se levadas para dentro das escolas, podem se constituir em especies de laboratórios hackers lab ou fablabs, como vêm sendo chamadas essas experiências (e elas já são muitas, entre outras, na Califórnia com o Hack Lab; o site que conecta FalLas brasileiros, o Garagem Fablab, e aqui um longo verbete da Wikipédia sobre o tema. A Câmara dos Deputados implantou, a partir de Hackathon em 2013, um Laboratório Hacker para produzir programas de acesso a informação.
Gosto do texto de Franklin Lopes no site Sonho Brasileiro da Política sobre a sua visita ao Laboratório Hacker da Câmara.
Voltemos, pois, à escola. O que temos visto é uma escola exageradamente centrada nos conteúdos, centrada muito mais no consumo de informações do que na sua produção. [Fechando esse texto visito meus netinhos em São Paulo quando um deles, de 6 anos, me conta que na sua escola eles fazem provas de geografia, matemática, ciência, praticamente toda a semana. Fico estarrecido!].
Essa é, então, uma escola com pouca interação com os outros saberes e culturas produzidos pela sociedade. Iniciativas como estas que aqui apresento podem provocar profundas transformações no cotidianos da escola, com a meninada, reunida em torno de projetos criativos, produzindo cotidianamente conhecimento e culturas, e, para tal, estarão interagindo, com o conhecimento estabelecido, os conhecimentos tradicionais da alta cultura, da ciência moderna, tudo isso continua presente, justo no momento da produção. Mas numa outra perspectiva, onde se cria, aquilo que venho afirmando de forma insistente, que é um ecossistema pedagógico de informação, comunicação e aprendizagem.
Implanta-se, assim, um circulo virtuoso de produção de culturas e de conhecimentos. E de traquitanas, digitas/tecnológicas ou não. E, assim, voltamos às ideias da cultura hacker. Como afirmei no artigo publicado neste último número de Facta #3, para que os princípios da cultura hacker façam parte da educação escolar, seria necessário uma grande reestruturação da rede de ensino como um todo. No entanto, não creio que seja necessário esperar por essa total transformação. Podemos, e devemos, “ir realizando algumas modificações e introduzindo práticas que apontariam na direção da escola desejada. Por exemplo, aproveitando todos os equipamentos que já chegam nas instituições, fornecidos pelo MEC e pelas Secretarias de Educação, como computadores e câmeras fotográficas, além dos celulares dos próprios alunos”. Trazendo tudo isso numa perspectiva coletiva de uso, poderiam ser montados laboratórios hacker, promovidos hackdays, envolvendo inclusive ex-alunos e a comunidade, fazendo da escola um grande espaço de produção, reflexão e, muito importante, animação.
Portanto, se pensamos em profundas transformações para o planeta e consideramos que a educação tem um importante papel, precisamos pensá-la a partir de uma visão bem mais ampla, uma visão com um jeito hacker de ser.
Nelson Pretto é professor Titular (e ativista) da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC – Bahia). Membro da Academia de Ciência da Bahia. Foi diretor da Faculdade de Educação da UFBA (2000 a 2008).