Por Gildásio Júnior e Karina Menezes
Após a leitura de um artigo sobre software livre e as microrevoluções nas periferias, escrito pelo antropólogo Hermano Vianna para uma matéria do segundo caderno da jornal Folha de São Paulo, Regis ficou curioso a respeito de tudo isso. Por volta do ano 2000, ele começou a pesquisar e a se interessar cada vez mais por software livre, cultura hacker e metareciclagem. Ao se aproximar de comunidades formadas em torno dessas temáticas, conheceu Felipe Fonseca e Dalton Martins, que o apoiaram na criação do Laboratório Bailux. O nome Bailux é uma junção entre Bahia e Linux. Localizado em Arraial D’Ajuda, em Porto Seguro, no estado da Bahia, fica em uma região conhecida como Costa do Descobrimento.
Seguindo a ideia dos labs existentes em “puxadinhos” e porões de casas de cultura, Regis decidiu criar um na sua região. Com isso, ele conheceu o Jurgen Boltz – um hacker do Vale do Silício que ajudou muito. Juntos, começaram o desmonte das “caixas pretas” tecnológicas, instalação de Linux e programação, tendo apoio de três jovens da comunidade local, Paulo Marquês, Léo Lucas e Rafael Nascimento – que tornaram-se replicadores do conhecimento. Foram cerca de três anos de intensa produção com metareciclagem, de forma totalmente autônoma, na desconstrução e na recriação com hardwares doados e com o apoio da comunidade local.
Durante os primeiros anos de existência do BaiLux, os encontros aconteciam em uma associação de moradores ou em centros comunitários, escolas. Com a fundação da sede em um grande galpão, em 2005, o espaço hacker desenvolveu diferentes ações ligadas à tecnologia e cultura. A convergência de interesses na valorização e fortalecimento das culturas locais e no combate ao turismo predatório gerou vínculos com o território Pataxó, levando às aldeias apropriação tecnológica em diálogo com história, arte e cultura tradicionais.
Régis explica que a visão do grupo consiste na metareciclagem como “possibilidade de um desmonte das caixas pretas, uma engenharia reversa dos objetos tecnológicos e um desmonte das ideologias autoritárias”. “Desde a nossa imersão no quintal da pajé de aldeia velha iniciamos um conceito ampliado de tecnologia e uma outra ideia de hackspace. Na prática, reunimos o cultivo de uma horta medicinal e os conhecimentos ancestrais da pajé com o hibridismo da tecnologia digital, por meio da documentação em áudio e vídeo, com software livre, produzida pelos alunos da escola da aldeia. Hoje estamos no Itapecó-Instituto de Tecnologias Alternativas, Permacultura e Ecologia, com uma prática de agrofloresta e a construção de um espaço maker”.
O Bailux não dispõe mais daquela grande sede, tendo se constituído como uma rede de afetividades. Suas ações persistem em locais chamados de territórios, dispersos por Arraial D’Ajuda e Porto Seguro, como a casa Tapuia, o Sítio Itapecó, e a Varanda Cultural Pataxó, onde o trato com as tecnologias ainda se relaciona à metareciclagem, mas vai muito além, envolvendo permacultura, ancestralidade, sociabilidade e interação com a natureza. O Bailux se organiza como um núcleo de metarreciclagem nômade, atuando como hospedeiro de algumas iniciativas e incentivando espaços e grupos a partir para a tecnologia livre.
O grupo é bem interessado na questão da educação. Nas palavras de Regis, “a educação é o eixo orientador das ações do BaiLux e sempre em uma perspectiva Paulo Freiriana, de uma pedagogia da autonomia e os desmontes dos sistemas autoritários de formação de consciência política cultural” [4][5]. Essas palavras nos fazem pensar sobre aspectos históricos do Brasil. Se 500 anos atrás o encontro entre nações diferentes levou à dominação e ao extermínio de povos originários da nossa terra, a experiência do Bailux nos mostra a possibilidade real de uma “comunicação entre dois campos distintos”, promovendo o desenvolvimento de ambos, sem dominação, com colaboração.
Mais?
http://softwarelivre.org/bandobailux/blog/bailux-na-aldeia-do-analogico-ao-digital
http://cultural-religioso/errática/2015/05/25/cultivando-labs-nas-terras-do-bailux/