Neste mundo tão complexo no qual vivemos, dois cenários impactantes merecem a nossa atenção: de um lado, o crescente e desenfreado avanço tecnológico e, do outro, um aumento significativo dos transtornos emocionais e das taxas de suicídio em crianças, adolescentes e adultos ao redor do mundo. Inúmeras causas favorecem esse elevado índice do sofrimento humano. Crises políticas, condições climáticas hostis, terrorismo, violência em vários formatos e baixa qualidade de vida nos grandes centros são alguns fatores que tornam o mundo mais instável e ameaçador para a maioria das pessoas.

Mas, existe uma característica específica dos dias de hoje que agrava ainda mais a situação: o excesso de tecnologia que está pouco a pouco nos desconectando das reais necessidades humanas. Muitas ferramentas digitais têm nos afastado de nós mesmos, da dor dos outros, da auto reflexão, do contato humano, do toque afetivo e da comunicação emocional que nos trazem tanto aconchego e tranquilidade. É esssa interação humana que nos dá esperança e força para enfrentar os crescentes desafios da vida.

E por que precisamos nos preocupar? Porque uma nova onda de tecnologias ainda mais complexas irá invadir o nosso cotidiano em um futuro muito breve. A cada vez mais falada “Quarta Revolução Industrial” foi um dos temas do encontro do Fórum Econômico Mundial, na Suíça, em janeiro de 2016. Discussões como: “A vida em 2030: Humanidade e Máquina”, “Introduzindo Inteligência Emocional na Inteligência Artificial” e “Permanecendo Humano” chamam a nossa atenção para o lado existencial das inovações tecnológicas.

Esta nova revolução industrial é pautada por uma economia mediada pela mobilidade, pela alta conectividade e por tecnologias digitais muito complexas que dissolverão as diferenças entres os seres humanos e as máquinas. É uma revolução não somente tecnológica mas social, econômica e, acima de tudo, humana, pois transformará profundamente a maneira com que nos relacionamos com tudo ao nosso redor: trabalho, natureza, coisas, pessoas e máquinas.

Inteligência artificial, internet das coisas, big data, biotecnologia e computação quântica são palavras que soam ainda muito distantes para a maioria das pessoas e que parecem sair de um filme de ficção científica. Mas, na verdade, já estão inseridas em nossas vidas.

A Quarta Revolução Industrial promete um desenvolvimento importantíssimo para a humanidade. Mas pode representar também perigos significativos para os seres humanos. Robôs super inteligentes que auxiliam idosos, ferramentas digitais que monitoram a saúde, aplicativos que ajudam crianças com inúmeras dificuldades e dispositivos digitais que minimizam problemas sociais graves são exemplos da boa tecnologia que traz benefícios emocionais e que alivia a dor humana.

Ao mesmo tempo, essa nova onda de evolução tecnológica irá nos impor desafios bem complexos. Substituição dos homens por máquinas, falta de privacidade, violência cibernética e dilemas éticos difíceis de serem contornados são alguns exemplos. Trabalhos que hoje estão bem consolidados simplesmente não existirão mais e outras profissões ainda inimagináveis surgirão.

Rejeitar o avanço digital seria não somente uma luta fadada à derrota, mas também um desserviço para nós mesmos. Precisamos abraçar o avanço, refletir a respeito e agir no sentido de integrar as novas tecnologias às reais necessidades humanas dentro deste universo em constante transformação.

Áreas relativamente novas da ciência estão surgindo para inserir as emoções nas pesquisas em inteligência artificial. As chamadas Inteligência Emocional Artificial e Computação Afetiva desenvolvem máquinas capazes não só de entender e de sentir as emoções como também de se comportar de maneira emocionalmente inteligente em diferentes situações. Em outras palavras, robôs começam a ter coração e a sentir o ambiente com o objetivo de nos ajudar a interagir com o nosso meio de um jeito mais seguro e saudável.

Por exemplo, alguns softwares já conseguem mapear uma gama enorme de emoções de milhares de pessoas em todo mundo para criar produtos e serviços em várias áreas. Robôs super inteligentes e muito parecidos com os seres humanos estão sendo desenvolvidos para auxiliar em tarefas cotidianas. E carros começam a ter sensores para mapear o nosso estado de humor e ativar dispositivos de segurança quando necessário.

Muitos especialistas na área de robótica e de inteligência artificial acreditam que dentro de vinte anos esses super robôs conviverão conosco naturalmente, em várias esferas da sociedade. Isso significa que as crianças pequenas de hoje entrarão no mercado de trabalho dentro desse contexto e terão de lidar com esses tipos de desafios.

Este assunto é bem polêmico e não pode ficar restrito aos meios acadêmicos. Temos de desenvolver tecnologias para entendermos melhor sobre nós mesmos e sobre os outros. Tecnologias que nos ajudem a ter mais consciência sobre a nossa mente, sobre quem somos e sobre quais caminhos queremos seguir para evoluirmos como humanidade.

Resgatar uma boa conversa, observar mais o comportamento das pessoas, ter encontros presenciais com qualidade e ter mais contato com a natureza são atitudes diárias urgentes nesse cenário ultra tecnológico. Mas temos de ir além disso para abrir novos caminhos e ampliar as perspectivas para o desenvolvimento humano daqui para a frente. Precisamos nos perguntar: como preparar as novas gerações para lidar com esse cenário? E como ajudá-las a criar pontes para diminuir o abismo entre o desenvolvimento tecnológico e o humano?

O novo contexto tecnológico aciona um enorme alerta para as escolas e para todos os adultos envolvidos na criação das crianças e adolescentes de hoje. Por isso, proponho aqui algumas maneiras práticas de integrar as novas gerações e a tecnologia com as necessidades humanas.

Construir uma vida digital emocionalmente saudável
Usar as redes sociais com responsabilidade e ética (cidadania digital), pensar sobre as nossas emoções enquanto navegamos na internet para usá-la a nosso favor e estabelecer uma relação de confiança entre adultos e crianças com relação ao uso das diferentes tecnologias.

Aliar o “faça você mesmo” ao “faça, observe, sinta, reflita e comunique você mesmo”
Estamos na era “maker”. Invente, ponha a mão na massa, teste, faça uma ideia acontecer, refaça várias vezes! Empresas e escolas já estão criando espaços maker e fablabs para estimular a criatividade e o desenvolvimento de produtos inovadores. O movimento maker é muito importante, ainda mais com os recursos aos quais temos acesso hoje, como impressoras 3 D, máquinas de corte a laser, kits de robótica etc. Porém, fazer algo sem observar nem refletir sobre o impacto dessa experiência no seu aprendizado, na sua vida e nas vidas de outras pessoas pode não somente esvaziar a vivência em si como pode também gerar muita ansiedade. O ciclo deve ser: fazer, observar, sentir, refletir, comunicar, refazer.

Desenvolver tecnologias que favoreçam o autoconhecimento e o contato humano mais aprofundado
As novas ferramentas digitais devem ajudar as pessoas a conhecer com profundidade as emoções e o impacto que têm nas nossas decisões diárias. Devem ainda nos informar sobre o comportamento das pessoas e sobre como usar a tecnologia para resolver problemas que geram sofrimento humano.

Criar programas educacionais que desenvolvam uma reflexão sobre os avanços tecnológicos e o desenvolvimento humano
Unir atividades maker e de programação de computadores com educação sócio emocional e com conhecimento de inteligência emocional artificial.

Integrar tecnologias de ensino personalizado ao aprendizado emocional
Desenvolver plataformas adaptativas de ensino que mapeiem não somente o progresso cognitivo do aluno, mas também os seus estados emocionais durante o aprendizado.

Estimular as crianças e os jovens a pesquisar sobre computação afetiva e inteligência emocional artificial
Projetos dentro e fora da escola precisam integrar essas áreas de conhecimento com as situações ligadas à realidade das pessoas de diferentes contextos sociais e econômicos.

Promover nas universidades iniciativas que integrem estudantes de psicologia, medicina, artes, design, engenharia e tecnologia da informação.
Criar currículos mais criativos e interdisciplinares, que estimulem não somente o olhar de integração entre tecnologia e humanidade, mas que também promovam iniciativas concretas de aplicação da tecnologia em contextos humanos. Enfim, os nossos tesouros como seres humanos são as trocas de olhares, os arrepios na pele e os frios na barriga que sentimos quando vivenciamos encontros mágicos entre amigos e amores. A tecnologia deverá, portanto, facilitar cada vez mais estes encontros para que não corramos o risco de nos perder de nós mesmos.

 

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Fernanda Furia é mestre em psicologia de crianças e Adolescentes pela University College London, na Inglaterra, consultora de inovação em psicologia e educação e fundadora do Playground da Inovação – blog e consultoria para projetos que integram psicologia, inovação, educação, tecnologia e ciência do brincar.